"A credibilidade da CNBB está sendo colocada em xeque", alerta Dom Demétrio Valentini, bispo da Diocese de Jales-SP, ao comentar o episódio de que a instituição teria aconselhado os católicos a não votarem na candidata do PT à presidência, Dilma Rousseff. Em entrevista concedida, por telefone, à IHU On-Line, Dom Valentini esclarece que em torno do assunto "existe uma falácia que precisa ser desmontada".
Para ele, o nome da CNBB foi invocado com posições"que não são dela (...) foi feito um estratagema para vincular opiniões pessoais de alguns bispos à imagem da CNBB". Ele explica: "O equívoco maior se deu no Regional Sul I da CNBB: a presidência recomendou que todos lessem e, levassem em consideração, uma manifestação de duas comissões diocesanas, onde se manifestava, claramente, posições preconceituosas contra Dilma e o PT. A solicitação de que esse documento deveria ser levado em conta, comprometeu o posicionamento do Regional. Com isso, se criou a ambiguidade e o equivoco de que todo o Regional estava de acordo com esse posicionamento, o que não é verdade".
A segunda falácia, aponta, é ainda mais difícil de ser compreendida. "O fato de lançar a condição de abortistas a todos aqueles que propõem políticas sociais que levem em conta a situação do aborto para melhorar a legislação e as providências para favorecer a vida e evitar situações de aborto".
Na avaliação dele, instituição que "sempre marcou presença na realidade brasileira", a CNBB deve se pronunciar diante deste fato, "esclarecendo que ela não tem posição partidária, não tem restrições a nenhum dos dois candidatos".
Licenciado em Letras pela Faculdade de Palmas, no Paraná, Dom Valentini fez o curso de Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e foi ordenado presbítero em 1965. Foi professor no Centro Universitário de Erexim e na Universidade de Passo Fundo. Durante muitos anos foi pároco na diocese de Erexim, RS quando foi nomeado bispo de Jales, SP, em 1982. Durantes muitos anos foi responsável pelo Setor Pastoral Social da CNBB, período no qual se realizaram as Semanas Sociais Brasileiras. Atualmente é também presidente da Cáritas Brasileira.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - No primeiro turno, alguns bispos aconselharam a sociedade a não votar na candidata do PT, Dilma Rousseff. Qual a postura da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB nessa questão?
Luiz Demétrio Valentini - Esse é um assunto sério e merece muita atenção. Penso que a credibilidade da CNBB Está sendo colocada em xeque. A CNBB, tradicionalmente, sempre marcou presença na realidade brasileira como uma entidade responsável que colaborou para a implantação da democracia no Brasil, ciente, claramente, da sua responsabilidade própria. Agora, corre o risco de ser mal interpretada por equívocos acontecidos por manobras em andamento. Existe uma espécie de falácia que precisa ser desmontada e esclarecida. Essa falácia consiste, em primeiro lugar, em invocar o nome da CNBB sobre posições que não são dela. Foram impressos milhares de folhetos com a mensagem: "CNBB proíbe católicos de votarem em Dilma, do PT". Isso não é verdade. Foi feito um estratagema para vincular opiniões pessoais de alguns bispos à imagem da CNBB. O equívoco maior se deu no Regional Sul I da CNBB: a presidência recomendou que todos lessem e levassem em consideração uma manifestação de duas comissões diocesanas, onde se manifestava, claramente, posições preconceituosas contra Dilma e o PT. A solicitação de que esse documento deveria ser levado em conta comprometeu o posicionamento do Regional. Com isso, se criou a ambiguidade e o equivoco de que todo o Regional estava de acordo com esse posicionamento, o que não é verdade. Isso influenciou o resultado das eleições.
Outra falácia mais séria e difícil de ser compreendida foi o fato de lançar a condição de abortistas a todos aqueles que propõem políticas sociais que levem em conta a situação do aborto para melhorar a legislação e as providências para favorecer a vida e evitar situações de aborto. Foi montada uma acusação, a qual foi vinculada o voto dizendo que quem é católico não pode votar em quem é abortista . Quem disse que determinada pessoa é abortista? O próprio acusador se vê no direito de estabelecer alguém como abortista, sem levar em conta as ponderações que ele faz.
IHU On-Line - Qual o posicionamento da CNBB diante do segundo turno das eleições presidenciais?
Luiz Demétrio Valentini - Enviei um apelo à CNBB. Estou aguardando um pronunciamento da presidência da CNBB. Fiz questão de ressaltar a Dom Geraldo Lyrio Rocha, presidente da CNBB, que se fazia necessária uma clara tomada de decisão da presidência, esclarecendo que ela não tem posição partidária, não tem restrições a nenhum dos dois candidatos, de modo que se torna urgente enfatizar a posição de neutralidade em termos de opções partidárias e eleitorais. Espero que esse pronunciamento seja feito ainda hoje (6-10-2010) e coloque com muita evidência que a posição da presidência do Regional Sul I da CNBB foi fruto de um equívoco, que, me parece, deveria ser esclarecido pelos próprios autores que elaboraram a declaração.
IHU On-Line - Como percebe o posicionamento de Dilma em relação ao aborto? Ela está tratando o tema de maneira diferente no segundo turno?
Luiz Demétrio Valentini - Penso que ela demorou a se dar conta da gravidade das acusações que eram feitas contra ela e da complexidade do assunto. Percebo que ela tem convicção de que o aborto é um problema de saúde e que não se reduz a isso. Então, deveria ter manifestado de maneira mais enfática o reconhecimento da defesa da vida desde a sua fecundação, como a Igreja afirma. Ela precisava perceber melhor a causa que está em jogo. Dilma tem a oportunidade de esclarecer melhor o seu posicionamento no segundo turno.
IHU On-Line - O que diferencia o posicionamento de Dilma e Serra em relação ao aborto?
Luiz Demétrio Valentini - Serra, como Ministro da Saúde, referendou medidas concretas de prática do aborto. De modo que, aqueles que de maneira tão enfática acusam a Dilma de abortista, deveriam se dar conta de que o outro candidato também teve um posicionamento, o qual pode ser, de acordo com o rigor dos acusadores, acusado de abortista.
IHU On-Line - Como entender que a opinião pública não coincide mais com a opinião publicada? Isso indica que tipo de mudança social?
IHU On-Line - Como entender que a opinião pública não coincide mais com a opinião publicada? Isso indica que tipo de mudança social?
Luiz Demétrio Valentini - Não é mais a grande imprensa que conduz o processo político. Alguns jornais armaram um esquema de denúncias para inviabilizar uma candidatura, de modo que tentaram, mas obtiveram resultados. Não foi por obra da grande imprensa que a candidatura Dilma diminuiu seu percentual. Dá para sentir que o povo brasileiro começa a formar a sua opinião a partir de fatos próximos e concretos que ele vivência. Quem está a favor da vida? Não são os que gritam contra o aborto e, sim, os que implementam políticas sociais que acabam beneficiando e trazendo mais dignidade para a vida das pessoas. Em termos econômicos, sociais e culturais, o povo está aprendendo a discernir a partir das realidades que ele percebe. Esse é um fato promissor.
Independente do resultado dessas eleições, penso que está indicado um trabalho de cidadania promissor: incentivar o povo a formar a sua opinião a partir, não do que dizem os grandes jornais, mas, a partir de experiências concretas que o povo experimenta e o onde ele se sente sujeito e, não mais, objeto de manobra política.
IHU On-Line - O senhor acredita mesmo que a grande imprensa perdeu o poder de criar opinião pública? O caso Erenice parece ter sido o responsável pela queda de Dilma na reta final?
Luiz Demétrio Valentini - Sem dúvida esse caso ainda conseguiu influenciar a candidatura de Dilma, sobretudo, a partir de situações concretas, visuais. Evidente, o jornal que denunciou tinha "boas intenções" e queria desestabilizar uma candidatura. A grande imprensa ainda é atora. Não sou contra a imprensa, pelo contrário, quanto mais se difunde a possibilidade de comunicação, mais ela está ao alcance da participação popular. A grande imprensa ainda tem a sua parcela de influência, mas não é mais a mesma que forma a opinião pública.
IHU On-Line - E as pesquisas eleitorais interferem na formação de opinião e decisão de voto para muitos brasileiros?
Luiz Demétrio Valentini - São instrumentos importantes e indispensáveis, contanto que sejam feitos sem tendências. Foi clara a tentativa de, ao longo do processo eleitoral, apresentar estatísticas que favoreciam mais um candidato do que outro. Houve tentativa de distorcer o resultado das pesquisas, ainda mais quando há institutos de pesquisas que estão comprometidos com uma posição eleitoral.
IHU On-Line - Que fatos relevantes o senhor destaca nesta campanha eleitoral?
Luiz Demétrio Valentini - Penso que a presença da internet é um fator que não estava na contabilidade de ninguém, mas que está emergindo e traz sérias preocupações. Somente o exercício esclarecido da cidadania pode enfrentar os problemas suscitados por esse novo meio de comunicação que possibilita difundir largamente denúncias injustas. Não se trata de coibir, mas de neutralizar a informação com a apresentação de conteúdos verdadeiros, mostrando e desautorizando quem difunde inverdades, posições inventadas e acusações gratuitas.
IHU On-Line - O que leva o senhor a acreditar que estamos caminhando rumo a um processo político promissor no Brasil?
Luiz Demétrio Valentini - Questiono firmemente a tentativa de manipular o outro. O voto é um instrumento melhor, um aprimoramento democrático, quando o eleitor percebe que são eleitos aqueles indicados pelo voto. Por isso, toda a legislação deve fortalecer a liberdade do voto. De modo que, a prática democrática do voto é o melhor instrumento que temos. Precisamos batalhar para que as campanhas sejam oportunidade de esclarecimento da consciência dos eleitores. A batalha pelo voto é a grande batalha pela democracia.
Fonte: IHU OnLine, 07 de outubro de 2010: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_entrevistas&Itemid=29&task=entrevista&id=37038
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